Abstract
No quadro dos atuais debates globais sobre mudanças climáticas, sustentabilidade e transição energética, a mudança de uma indústria “carbon-based” para uma indústria de energia verde parece inevitável. Enquanto os apelos e resoluções para acabar com os combustíveis fósseis chegam lenta e irregularmente à diplomacia global (ver, por exemplo, o COP26), a mudança para a eletrificação e digitalização dos setores industrial, de comunicação e transporte está a criar uma dependência global crescente da extração e processamento de novos recursos. É o caso, por exemplo, do lítio (muitas vezes apelidado de “óleo do futuro”) e do grafite, componentes essenciais para a fabricação de baterias para telemóveis, computadores e carros elétricos, por exemplo. Ao mesmo tempo, ‘tecnologias limpas’ como hidrogénio verde, gás natural liquefeito ou renováveis se apresentam como caminhos seguros para a descarbonização e redução de GEEs.
Tais transformações, embora sejam no geral passos positivos para a sustentabilidade energética e adaptação às mudanças climáticas, estão a gerar novos pólos industriais, novas relações económicas complexas e mobilizações políticas com consequências sócio-ambientais que precisam ser mapeadas e estudadas a partir de uma perspetiva das ciências sociais. Falamos especificamente dos impactos ambientais da nova indústria energética das suas articulações materiais e infraestruturais, dos conflitos sobre propriedade e uso da terra, das articulações políticas (público-privadas), das oportunidades laborais e comerciais, etc. Desde este ponto de vista, observa-se a emergência de uma nova geografia da energia, que complexifica as tradicionais cartografias de poder baseadas em distinções Norte-Sul pós-coloniais. Isto é ilustrado pela crescente centralidade política de tais indústrias, tanto em termos de diplomacias transnacionais – ver, por exemplo, o papel dos oleodutos Nord Stream no atual conflito Rússia-Ucrânia– como na criação de novas zonas de conflito devido aos impactos sociais e ambientais da indústria nas populações locais, bem como a distribuição e acesso desigual à energia. Também explica a crescente atenção do ativismo das mudanças climáticas – de movimentos de justiça ambiental ao Fridays for Future e Extinction Rebellion – em relação às consequências ambientais da economia de energia emergente.
Este projeto é, portanto, um convite ao aprofundamento do estudo das consequências sociopolíticas dos novos sites globais da indústria energética, focando-se em casos atuais de instalação e desenvolvimento de indústrias energéticas no quadro da Transição Verde. Fazemos as seguintes perguntas: Quais são os impactos ambientais locais da economia da “energia verde”? Que tipo de redistribuições espaço-territoriais estão a surgir como resultado da transição energética? Quais são os desdobramentos infra-estruturais e materiais de tais indústrias? Quais são as consequências a nível local em termos de direitos e uso da terra? Que tipo de desenvolvimento económico e de “livelihood” está a acontecer a nível local? Que tipo de mobilizações políticas estão a surgir em resposta, por exemplo em relação a questões de justiça ambiental e energética?
Em resposta, propomos o conceito de “Energo-Geografias” como enquadramento para lidar com a complexidade das articulações territoriais, materiais, económicas e políticas das indústrias globais de energia. Acreditamos que esta abordagem implicará uma contribuição significativa nos estudos antropológicos e sociológicos da energia, através de uma análise socioespacial inovadora dos sistemas energéticos em tanto que infraestruturas. Reunimos uma equipa de antropólogos com experiência acumulada na investigação em questões sócio-ambientais na Europa e África, e propomo-nos a pesquisar casos de estudo empíricos em Portugal, Espanha, Itália, Mauritânia, Angola e Moçambique, onde desenvolveremos estudos aprofundados de diferentes recursos – de grafite, lítio e hidrogénio verde a energia solar e outras energias renováveis. Também temos experiência significativa em métodos de pesquisa etnográfica de longo prazo, que acreditamos serem os mais bem equipados para abordar a complexidade da infraestrutura e as consequências locais da emergente indústria de energia verde.
O nosso objetivo é fornecer uma descrição e análise sistemática e aprofundada das novas geografias e infraestruturas da transição energética, para além dos locais mais tradicionais; avançar o conhecimento científico em antropologia e ciências sociais do ambiente, infra-estruturas e energia, com o contributo conceptual da "energo-geografia"; e fornecer subsídios para a formulação de políticas públicas que permitam uma transição mais justa e justa no âmbito da Agenda 2030 e dos compromissos globais para um futuro sustentável.
Equipa
Antonio Maria Pusceddu
Antónia Pedroso de Lima
Euclides Gonçalves (Kaleidoscópio – Research in Public Policy and Culture)
Felipe Campos-Mardones
Francisco Freire
Helder Pedro Alicerces Bahu (Instituto Superior de Ciências de Educação da Huila)
Luís Silva
Paulo Mendes