Maria Olímpia Lameiras-Campagnolo (1938-2025): Mulher de um pensamento maior
No passado dia 9 de janeiro, faleceu Maria Olímpia Lameiras-Campagnolo. Rigorosa e exigente, com um pensamento arguto, crítico e denso, generosa e humorada, deixa-nos um legado ímpar nas áreas da antropologia e da museologia.
Discípula de Georges Henri Rivière, Maria Olímpia foi investigadora do Centre National de la Recherche Scientifique (1968-2002), onde desenvolveu estudos de fôlego que aliavam a pesquisa teórica e de terreno nos campos da antropologia, da museologia e da cognição, privilegiando a tecnologia como nível conceptual autónomo e instrumento de análise de outros ramos do saber.
Sucessivamente citados e intervenientes como cimento teórico em dissertações académicas, os seus textos revelam um espírito de laboratório e um olhar com um alcance que convoca à profunda reflexão sobre os desafios da atualidade.
Timor Oriental foi um dos seus terrenos privilegiados, onde, com Henri Campagnolo, seu companheiro de vida e de investigação, efetuou missões junto das comunidades refugiadas na Austrália e em Portugal. Ambos participaram de forma envolvida, com Ernesto Veiga de Oliveira e Benjamim Pereira, na organização da exposição "Povos de Timor, povo de Timor, vida, aliança, morte", que teve lugar no Museu Nacional de Etnologia (MNE) em 1989. O acervo museológico e a documentação resultantes destas missões foram incorporados no MNE, ao serviço de novos estudos e da fruição.
Detentora de um olhar inovador em Portugal sobre a prática museológica, inspirou e continuará a inspirar leituras mais atentas e consistentes em torno das relações entre terreno e museu. Pertencente ao ICOM e à APOM, manteve-se sempre atenta à museologia portuguesa, tendo ainda, com Henri Campagnolo, gerado contributos lapidares para o desenho conceptual da Rede Portuguesa de Museus.
Maria Olímpia amava Alcobaça! Comprometida com as suas raízes alcobacenses e com um genuíno interesse por este território e pelos seus habitantes ao longo do tempo, investiu na proposta de criação de uma rede de sítios museológicos na região de implantação da Abadia Cisterciense de Alcobaça, chegando a fazer parte da Comissão Instaladora do Museu dos Coutos de Alcobaça, dedicando-lhe uma dimensão importante da sua vida.
Participou como docente em vários cursos e formações, tendo lecionado programação e gestão museológica no mestrado em museologia e património ministrado pela NOVA-FCSH. A sua visão pluridisciplinar, e sentido discreto de liderança, aproximou e agregou investigadores de diversas áreas da ciência e cultura que sob a sua exigente orientação contribuíram para a realização de projetos de conservação e valorização do património histórico, etnográfico e ambiental.
Em 2019, foi agraciada pela APOM com o prémio Personalidade na área da museologia.
A transmissão do saber por via do estímulo à reflexão e ao espírito crítico, definem a sua personalidade ímpar como investigadora, pedagoga, cidadã e mulher de futuro.
Ana Saraiva
Cláudia Freire
Fotografias:
1. Fotografia de Maria Olímpia Lameiras de Jorge de Barros
2. Capa do catálogo da exposição "Povos de Timor, Povo de Timor. Vida. Aliança. Morte"