Esta actividade está integrada na Semana da Ciência e da Tecnologia 2023
As religiões afro-brasileiras, como o Candomblé e a Umbanda, são reconhecidas por sua complexa materialidade e pelas estruturas hierárquicas que regem a transmissão do conhecimento ritual. Esta pesquisa em andamento explora desenvolvimentos recentes que indicam novas tendências na portabilidade dessas religiões, permitindo que elas se espalhem local e transnacionalmente e atraiam diferentes públicos. Essas mudanças giram em torno de dois pontos de inflexão significativos. Primeiro, uma "virada ecológica", em que um número cada vez maior de praticantes afro-religiosos tomou medidas proativas para abolir o sacrifício de animais e minimizar o impacto ambiental das oferendas sagradas. A crescente atenção às questões ambientais e de bem-estar animal molda novas dimensões morais da prática ritual, tornando-a mais atraente para as classes médias urbanas e facilitando a formação de novas comunidades transnacionais. Em segundo lugar, o advento da pandemia da COVID-19 levou os praticantes afro-religiosos a explorar formas inovadoras de realizar rituais e transmitir conhecimentos sagrados no âmbito digital. Essa "virada digital" não só deu origem a novos espaços de engajamento religioso, mas também a uma reestruturação da dinâmica de legitimação e poder. A transmissão de conhecimento não depende mais apenas da oralidade, mas também de sacerdotes e sacerdotisas com habilidades adequadas para transmitir energia espiritual e presença em espaços digitais. Essas tendências abrem novas maneiras possíveis de administrar e transmitir a "presença" por meio de diferentes materiais, práticas e tecnologias. Ao fazer isso, elas contribuem para tornar as religiões afro-brasileiras mais "sem atrito", diluindo os conflitos morais e promovendo sua portabilidade em novos espaços e comunidades. Entretanto, elas também reforçam o estigma racializado associado ao sacrifício de animais e ao segredo como marcas definidoras das religiões afro-brasileiras.
Nota Biográfica:
Giovanna Capponi é doutora em antropóloga social pela University of Roehamtpton (Reino Unido) e atua como Professora Adjunta em Antropologia e Sociologia na Universidade Estadual de Rio de Janeiro, com foco na antropologia ambiental e nas relações humano-animal. Trabalhou sobre religiões afro-brasileiras, analisando as práticas de sacrifício de animais e a percepção do ambiente na religião e desenvolvendo perspectivas nos campos da antropologia do ritual, da cultura material e das ontologias mais-que-humanas. Também fez pesquisa sobre javalis e conflitos multiespécies na Itália Central e as práticas de cuidados e gestão de gatos de rua em Roma.