Partindo de uma discussão sobre o carácter polissémico do conceito e ideia de política, esta investigação etnográfica tem por objetivo compreender que entendimento particular da política está subjacente à vida parlamentar e de que forma este é construído, partilhado e reproduzido. Procurando ir além das autorepresentações institucionais e da sua mediatização, realizou-se uma etnografia da Assembleia da República centrada nas interações entre deputados, assessores, funcionários, jornalistas e cidadãos. Sugere-se que no Parlamento se constrói uma ideia da política enquanto prática especializada e estruturalmente articulada com processos de diferenciação e desigualdade social e de poder. Essa ideia é estruturada na relativa circunscrição social e cultural do corpo de representantes, nos rituais públicos que os distinguem e nas relações de bastidores que geram inter-reconhecimento e empatia. Salienta-se ainda que a ação dos deputados depende da posição relacional que ocupam numa rede de hierarquias formais e informais, ao mesmo tempo que incorpora formas de adaptação permanente que proporcionam reconhecimento simbólico ao seu estatuto social. Destaca-se o papel dos funcionários na transmissão da memória, e dos jornalistas na reprodução da política enquanto esfera autónoma da realidade. Conclui-se que no Parlamento se configura uma ideia de política assente na produção de uma distinção entre quem faz política e quem dela é objeto; entre quem está dentro e quem está fora; entre atores e espectadores da produção do fenómeno político. Em suma, a etnografia revela a institucionalização da política enquanto forma de distinção social, por oposição ao seu entendimento enquanto dimensão potencial das relações humanas.
Mineiro, João (2022). Fazer Política: uma Etnografia da Assembleia da República. Porto. Edições Afrontamento. ISBN: 9789723619409