Ciclo “Outros Hinos” desafiou a escuta e os imaginários nos 50 anos do 25 de abril
No passado dia 22 de novembro, o Padrão dos Descobrimentos foi palco da iniciativa “Outros Hinos: Desafios à Escuta nos 50 anos do 25 de Abril”, organizada pelo Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA) em parceria com a campanha “Abril é Agora - 50 anos 1974-2024” e as revistas Bantumen e Rimas e Batidas. Inserido nas atividades da Semana da Ciência e da Tecnologia 2024, o evento contou com a coordenação dos investigadores João Mineiro (CRIA ISCTE), André Castro Soares (CRIA ISCTE) e Teresa Fradique (CRIA NOVA FCSH) e reuniu dezenas de pessoas para escutar, refletir e celebrar outros hinos possíveis que ajudam a contar a história da sociedade portuguesa e da diversidade de corpos, vozes e imaginários que a constituem.
O encontro partiu da ideia de que os 50 anos do 25 de Abril e das independências africanas são acontecimentos históricos interdependentes e de que a música tem sido um campo fundamental, embora subvalorizado, para compreender a história dos últimos cinquenta anos. Na abertura, João Mineiro destacou que a história da democracia portuguesa continua marcada por narrativas herdadas do período colonial, amplamente representadas por símbolos como o padrão dos descobrimentos ou o hino nacional. No entanto, salientou que existem outros hinos que cantam e contam histórias alternativas, desafiando a narrativa imperial e lusotropicalista que Portugal ainda perpetua sobre si próprio. Teresa Fradique reforçou a importância de escutar atentamente esses outros hinos, salientando que os meios académicos devem assumir novos lugares de escuta, em vez de protagonizarem sempre os lugares de fala. Por sua vez, André Castro Soares sublinhou que o encontro foi concebido para promover uma escuta plural das diferentes gerações, imaginários e poéticas que narram histórias alternativas sobre os 50 anos da democracia e das independências.
O evento organizou-se em quatro mesas temáticas, cada uma incluindo momentos de escuta de músicas selecionadas por convidados, seguidos de diálogos e reflexões partilhadas.
Na primeira mesa, intitulada “Sons de Família: Músicas da Diáspora Africana na Grande Lisboa”, Selma Uamusse escolheu Olhos Molhados, de Bonga, e Zouk La Se Sel Medikaman, de Kassav, enquanto Chalo Correia apresentou Muxima, de Waldemar Bastos, e Sodade, nas interpretações de Cesária Évora e Bonga. Já o investigador André Castro Soares optou por Baju, de Paulo Flores, e Semba no Pé, de Titica.
Na segunda mesa, intitulada “A Palavra à Rua: A Revolução Poética do Hip Hop”, Ricardo Farinha trouxe à escuta Já Não Dá, de Chullage, e Medo do Medo, de Capicua, refletindo sobre o impacto político e social do hip hop. Mynda Guevara apresentou País das Maravilhas, de Plutónio, e Terapia, de Phoenix RDC, sublinhando as narrativas de resistência na música e o seu potencial transformador. Teresa Fradique escolheu Miraflor, dos TWA, destacando o papel pioneiro deste grupo no rap crioulo em Portugal.
A terceira mesa, intitulada “Descolonizando o Som, a História e os Imaginários”, contou com as escolhas de Bruno Dinis e Elias Celestino, jornalistas e investigadores da Bantumen, que apresentaram Meninos do Huambo, nas versões de Paulo Flores e Ruy Mingas. André Xina propôs a escuta de Mi Ka Nu Nigga, faixa do projeto Xei di Cor, de Prétu, acompanhado por Scúru Fitchádu. A mesa concluiu com o artista multidisciplinar Henrique J. Paris, que abordou a relação entre a peça Padrões de Polifonia, em exibição na exposição “Álbuns de Família” no Padrão dos Descobrimentos, e o EP Ressurgências, editado em parceria com RS Produções.
O encerramento do evento, sob o mote “Mais Sotaques e Música na Rua”, incluiu uma palestra sónica intitulada Humming as a Praxis II, apresentada por Henrique J. Paris, e uma roda de samba conduzida pelo coletivo Viva o Samba, que celebra dez anos de existência, promovendo a diversidade de sotaques e imaginários na sociedade portuguesa.
Texto: João Mineiro
Fotografia: João Mineiro e Teresa Fradique