“O antropólogo/a, embora muitas vezes um mero técnico dentro dum ramo de uma ciência utilitária, encerra em si a análise fria e desapaixonada das «sociedades primitivas» conjuntamente com a busca de uma maneira diferente de estar no mundo. Mas mesmo no dia-a-dia, o ser o fazedor da «ciência social» obriga-o tantas vezes a olhar tudo e todos como o filão de ouro, o dado etnográfico.
Passei dois anos e meio vivendo numa comunidade rural, participando e observando, apontando e analisando, desorientando os aldeãos com as minhas perguntas persistentes. Nunca me esquecerei da tensão dos primeiros dias. As pessoas entravam rindo e falando, e ao ver-me, desconhecido, paravam abruptamente. Em suma, foi o «choque das culturas» e chegámos a um estado de confusão, mesmo de exaustão.
O processo que tentei descrever (e viver) não é só uma saída e volta, uma viagem de uma pessoa e o regresso ao estado «normal» na sua classe, grupo ou contexto: é indicativo de realidades mais profundas. O antropólogo é hoje, em certo sentido, o último descobridor. Ele tenta escapar à realidade alienante que é a sociedade industrial indo viver temporariamente na sua oposição. Em vez do «choque do futuro», ele vai experimentar a ficção científica dum «choque do passado». Na sua volta, vê com mais nitidez as contradições e os conflitos do seu ambiente natal.
Uma vez reentrado na «sua» cultura, tem a obrigação de a mudar, de a transformar. A visão do «outro mundo», daquela maneira de viver mais humana e menos decadente, tem de ser aplicada concretamente ao seu próprio mundo. Tem de ter uma visão crítica do mundo urbano, «civilizado» e desumanizante, mas além disso tem de participar na formação das contestações deste modo de vida — quer sejam movimentos, grupos, «aldeias» dentro das cidades, ou simples relações pessoais de tipo recíproco.
Será isto uma reconquista, o começo de um renascimento?...”
Brian O’Neill, excertos do Posfácio