Ana Stela Almeida Cunha (nascida em 1974) era uma investigadora brasileira e activista com doutoramento em linguística e semiótica pela Universidade de São Paulo em 2003, e com pós-doutoramento em antropologia social pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (também parcialmente efetuado na Bélgica). Embora a sua primeira licenciatura tivesse sido em linguística, com especialização nas características das línguas africanas e no seu impacto no português brasileiro, era profundamente etnógrafa, cineasta e ativista. Após o seu doutoramento, mudou-se para o Quilombo Damásio, no Brasil, para criar projectos em dança, teatro e feminismo, com a participação da comunidade, bem como para ensinar. Tambêm se dedicaría à pesquisa do festival ritual (ou "brincadeira") Bumba Meu Boi no Maranhão, Brasil, editando em 2011 Boi de Zabumba é a Nossa Tradição! e mais tarde, em 2009, co-dirigindo e produzindo o documentário João da Mata Falando (com Vicente Simão Junior), sobre Pajés no interior do Maranhão e a sua comunicação com os espíritos. Dirigiu também o documentário A Grande Ceia Quilombola, com Rodrigo Sena, em 2018, e "Mandou me chamar, eu vim!", com Edemar Miqueta em 2019, sobre narrativas da diáspora entre as religiões afro-brasileiras em Lisboa, entre outras. O seu compromisso para com as pessoas com quem trabalhava era patente. Um projeto do qual ela foi PI, “Falando em Quilombo”, de 2005-2006, foi concebido para cooperar com professores locais em Guimarães para desenvolver abordagens educacionais específicas para as suas realidades culturais. No seu projeto de 2007, “O Boi Contou”, patrocinado pela Petrobras, Ana Stela, juntamente com os seus colaboradores, alcançou vinte comunidades negras rurais em Guimarães, publicando e distribuindo material didático, fotografias e outras gravações, e realizando cursos.
O aspecto político da identidade negra e da resistência esteve sempre em foco no seu trabalho no Maranhão (em São Luís e no interior), mas também noutros locais, onde reuniu os seus conhecimentos de antropologia linguística para forjar diálogos na esfera pública, e não apenas escrever trabalhos académicos. Um fascínio pelos aspectos linguísticos da espiritualidade evoluiu quando, em 2006 a 2008, Ana Stela mudou-se para Cuba como professora de língua portuguesa na Universidade de Havana e começou a estudar independentemente o Palo Monte, Vodou cubano, e outras práticas religiosas afro-cubanas e os seus cânticos de morte em cerimónias fúnebres, bem como as formas de mediunidade nos processos comunicacionais entre mundos. Investigadora de campo fenomenal e incansável, Ana Stela foi também uma documentarista hábil, registando de forma constante um campo complexo de relações humanas e não humanas com a sua câmara, mas também com a sua vontade de se ligar às pessoas e à sua experiência, de forma sensível e empática. A sua atenção para o componente estético e visual, além de comparativo, do seus campos, fez com que colaborasse com Márcio Vasconcelos e Roberto Chile para produzir uma exposição de fotografias em Lisboa em 2015 que explorou a territorialidade bantu no Brasil e em Cuba, chamada Caboclos Nkisis, patrocinado pelo Governo do Maranhão entre outros.
Poder, morte, transnacionalismo religioso, e a marginalização das comunidades negras vieram à tona no seu trabalho em Lisboa, com terreiros afro-brasileiros, sacerdotes e sacerdotisas de religiões afro-americanas e africanas, e igrejas proféticas africanas, bem como através das suas viagens em África - Angola, Guiné, e Congo, um lugar que ela particularmente amava. Ana Stela era apaixonadamente anti-colonialista e anti-racista nos seus escritos e palestras e trabalhos públicos, e o seu trabalho no Brasil, especificamente, acentuou e expandiu vozes locais de formas altamente autênticas. Criticava a sobre-conceptualização e a arrogância académica, e o seu interesse residia sempre em fazer ligações significativas às verdades locais e centradas na pessoa. No entanto, o seu trabalho no Maranhão prefigura muito do recente trabalho de vanguarda sobre um tipo de brasilidade que poderia ser chamado de afro-indígena, um trabalho de suma importância nos debates de antropologia política das universidades de mais impacto no Brasil atual. Ela era parte ativa do CRIA (Centro em Rede de Investigação em Antropologia), e na altura da sua morte, colaborava com vários membros para organizar uma série de seminários na antropologia da religião.
Para além da produção académica e artística, Ana Stela era ferozmente activista. Em Lisboa, ela preocupava-se especialmente com as comunidades congolesas e outros grupos de imigrantes africanos em Portugal. Fundou e foi diretora da Associação Kazumba, uma associação anti-racismo sem fins lucrativos cujo objectivo era educacional, através das artes e culturas, com uma vasta gama de colaboradores. Foi parte integrante de vários projectos, incluindo VIBE - Voices of Iberia in Black Europe, financiado pela Fundação Cultural Europeia, podcasts que exploravam as complexidades do Portugal Negro, e residências artísticas em Lisboa para artistas africanos. Muitos dos seus projetos foram financiados pelo Fundo Europeu das Artes, uma ENAR - Rede Europeia contra o Racismo e a Direção Geral das Artes do Ministério da Cultura, demonstrando o seu empenho tanto na cultura como na mudança das políticas públicas e da opinião pública. Ana Stela era também uma artista, tendo sido membro fundador dos Congo Stars, um grupo de músicos congoleses em que ela era a cantora principal.
Na altura da sua morte, Ana Stela era professora aposentada da Universidade Federal do Maranhão, a viver em Lisboa. Deixa a sua filha, Ana Maura, e a enorme rede de amigos profundos que tinha em vários continentes que sentirão profundamente a sua falta.
Diana Espírito Santo
Professora Associada, Escuela de Antropologia, Pontificia Universidad Católica de Chile
Colaboradora do CRIA