Enquanto contributo à comemoração dos 50 anos do 25 de Abril e da democracia que lhe está associada, o Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra acolhe nos dias 10 e 11 de Outubro de 2024 o Congresso Internacional Imprensa de Exílio(s), no âmbito das iniciativas do Grupo Internacional de Estudos da Imprensa Periódica Colonial do Império Português (GIEIPC-IP). Uma iniciativa igualmente apoiada por outros parceiros desta rede e organizações que acolheram a ideia, desde logo o CHAM – Centro de Humanidades da Universidade NOVA-FCSH, a Fundação Mário Soares e Maria Barroso, o Laboratoire d'Etudes Romanes (LER) - Université de Paris 8, a Biblioteca Nacional de Angola, o Arquivo de História Social do ICS-Universidade de Lisboa e o grupo ECOS – Exílios, contrariar o silêncio do CRIA- Centro em Rede de Investigação em Antropologia.
A imprensa anticolonial e a imprensa de exílio têm merecido crescente atenção multidisciplinar, sobretudo no que respeita o século 20, na procura de entender designadamente o seu papel político e impacto intelectual, assim como as redes que espelhavam e mobilizavam. A propósito das últimas, são exemplo significativo as investigações em torno das confluências transnacionais e transimperiais de exilados e outros migrantes, tais como estudantes, escritores, artistas, para metrópoles de efervescência democratizadora e vanguardista, como Londres Paris ou Berlim do pós-I Guerra Mundial, e a sua ligação à proliferação de jornais, revistas, boletins, panfletos, que alimentaram militâncias (inter)nacionalistas e interligaram debates e combates.
Podendo encontrar-se no mesmo periódico, as categorizações imprensa anticolonial e imprensa de exílio, naturalmente não se sobrepõem. A questão colonial foi uma entre outras motivações para exílios e para a criação de periódicos nessa situação. Por seu turno, a imprensa anticolonial floresceu dentro e fora dos impérios de origem, em condições de legalidade ou clandestinidade. Une-as, no entanto, a estreita ligação dos lugares de publicação às condições políticas para o exercício da liberdade de expressão e de militância. Por outras palavras, se a imprensa de exílio convoca a falta de liberdade política, a imprensa anticolonial emerge em condições políticas variadas que condicionam o seu perfil e lugares de publicação, incluindo os lugares de exílio. No que respeita a ideia e as vivências de exílio e a sua expressão na imprensa,
cabe qualquer caso discutir a liminaridade das experiências de ocupação, de dissidência, de clandestinidade e de desterro, em relação ao expatriamento político, tanto pelas similitudes do seu impacto psicológico quanto pelos trânsitos que tenderam a fomentar.
O fim da Segunda Guerra Mundial criou a esperança de afirmação da ordem democrática e do direito à autodeterminação dos povos, com a inevitável queda dos impérios coloniais europeus. As décadas sequentes assistiram ao alastramento das lutas e solidariedades anticoloniais, num ambiente internacionalmente marcado pela política de blocos à qual o movimento dos Não-Alinhados sequente a Bandung opôs a ideia de libertação do colonialismo e da predeterminação das opções do chamado “terceiro mundo”. Nesse quadro geopolítico, tornou-se expectável que os países do bloco “ocidental” alinhassem com os valores das democracias liberais e do capitalismo e que, cedo ou tarde, reconhecessem na prática política o princípio da autodeterminação.
Em contracorrente tolerada pelos aliados devido às próprias circunstâncias da Guerra Fria, as ditaduras portuguesa e espanhola sobreviveram apesar da crescente oposição interna, e sobretudo a primeira recusou-se a discutir a descolonização. Contra as evidências, o salazarismo alimentou a tese segundo a qual Portugal, guiado pelos valores católicos, ao fazer prevalecer historicamente o princípio da igualdade assimiladora criara a situação única de uma nação e um estado pluricontinentais, unidade que nenhum dos povos envolvidos queria desfazer. Do ponto de vista do Estado português, o problema colonial não existia e os movimentos que o reivindicassem posicionavam-se contra a vontade dos povos, podendo quaisquer insurgências ser apelidadas de terroristas. A longa sobrevivência da ditadura portuguesa e a sua recusa em reconhecer o problema colonial justificaram a radicalização da militância, consequência da consciencialização que vinha tomando forma, após a II Guerra Mundial. No que respeita o caso de Goa, intensificou-se a militância dos goeses que se colocavam no campo anticolonial e abriu se um conflito diplomático entre Portugal e a Índia, que a tomada de Goa pelas tropas indianas em Dezembro de 1961 esteve longe de resolver, antes arrastou-se até 1974. Igualmente em 1961, diversas insurreições iniciaram as frentes de guerra nas colónias africanas. Adensaram se, simultaneamente, as ondas de exílio que as políticas repressivas da ditadura vinham impulsionando desde 1926. As ideias de liberdade e de libertação são comuns a estes exilados, quer fossem sobretudo opositores à ditadura, quer visassem o fim do colonialismo, quer interligassem ambas causas.
Ao eleger como principal foco a questão colonial na imprensa de exílio publicada desde o fim da Segunda Guerra, o congresso estabelece pela primeira vez uma ponte entre os combates contra a ditadura e pelo fim do colonialismo nestes periódicos. Visa-se incentivar estudos que explorem as ideias, imagens e debates em torno do colonialismo e das realidades coloniais, no quadro dos encontros e desencontros que marcaram a diversidade destes periódicos. Este foco reabre a discussão do conceito de imprensa colonial que o grupo que vem propondo (https://www.gieipc-ip.org/sobre-a-imprensa-perioacutedica-colonial.html), agora centrada na imprensa de exílio. No que respeita o antigo império português, sublinha-se mesmo que as histórias da imprensa, desde os primeiros impulsos, não podem prescindir do conhecimento dos periódicos dos exílios e do lugar que os debates coloniais neles ocuparam, como a criação em Londres do Correio Braziliense comprova ao inaugurar a imprensa de exílio em língua portuguesa (https://expoimprensacolonial.fcsh.unl.pt/br.html). As suas histórias acompanham as flutuações que a liberdade de expressão e de militância sofreram ao longo dos sucessivos regimes desde a monarquia absoluta, enquanto testemunham a dificuldade estrutural dos sucessivos poderes em aceitar a livre discussão em torno do fim do império.
Por fim, na esteira das propostas do GIEIPC-IP, o Congresso propõe um entendimento alargado de imprensa periódica, deslocando o foco do impresso para a periodicidade, para os formatos associados à imprensa periódica e para a busca de público(s) leitores. Significa que alberga estudos sobre periódicos que circularam com recurso a tecnologias e formas diversos, considerando significativas as circunstâncias que motivaram o uso desses recursos diversos.
Concretamente, periódicos manuscritos ou datilografados, reproduzidos pelo mesmo meio ou através de estêncil com ou sem recurso a mimeógrafos, ou ainda fotocópia, ocasionalmente incluindo o recurso a colagens de imagens ou textos impressos.
Tendo por referência o enquadramento que motiva o presente Congresso, justificando particular foco na discussão do colonialismo português na imprensa de exílio, a presente chamada para comunicações acolhe propostas designadamente sobre:
As solidariedades anticoloniais e os internacionalismos presentes nos periódicos de exílio - As redes que estes periódicos mobilizavam e/ou que estiveram na origem dos mesmos e o seu papel nas estratégias de comunicação dos diversos grupos
- A importância do financiamento na criação, aparato e sobrevivência destes periódicos - Públicos, opiniões publicas, grupos de interesse que visaram e alcançaram - As relações entre redes de exílio e redes clandestinas e o seu impacto na circulação e recepção desta imprensa
- A relação dinâmica entre periódico e arquivo
- As pontes estabelecidas com outras formas de comunicação tais como cartazes, folhetos, panfletos, livros
- Como o memorialismo, os arquivos e as bibliotecas/centros de documentação podem contribuir para aceder, enquadrar e aprofundar o conhecimento da história destes periódicos, mas também para criar filtros
- A relação entre militância e jornalismo, e a influência dos perfis dos redactores na configuração destes periódicos.
- Periódicos de exílio ligados ao combate a outros impérios coloniais.
As propostas de comunicação deverão ter um resumo até 300 palavras e uma nota biográfica até 150 palavras por autor. Línguas do congresso: português, inglês, francês.
Prazo de submissão – 15 de Junho de 2024
Respostas – até 25 de Junho
Email de submissão - imprensadeexilios@gmail.com
Entre outras iniciativas, a organização do Congresso promoverá mesas redondas temáticas. Visando os investigadores e outros interessados, os centros de documentação/arquivos parceiros irão analisar os seus acervos e criarão listas de periódicos e de documentação conexa à temática do evento, que serão disponibilizadas nos sites institucionais e do congresso, sujeitas a actualização até ao evento.
Programa PT [PDF] | Programa EN [PDF] | Programa FR [PDF]
A Comissão Organizadora
Adelaide Vieira Machado (CHAM – Centro de Humanidades, NOVA-FCSH) Arnaldo Caliche (Universidade Eduardo Mondlane)
Cristina Clímaco (LER - Laboratoire d'Etudes Romanes, Université de Paris 8) Diana Afonso Luhuma (Biblioteca Nacional de Angola)
Douglas Mansur da Silva (Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Fluminense)
Filipe Guimarães da Silva (Fundação Mário Soares e Maria Barroso)
Inês Ponte (ICS – Instituto de Ciências Sociais, Arquivo de História Social, Universidade de Lisboa)
Joana Mourão Carrega Moreira (CD25A – Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra)
Maria Cristina Vieira de Freitas (CD25A – Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra)
Matheus Serva Pereira (ICS – Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa) Noemi Alfieri (CHAM – Centro de Humanidades, NOVA-FCSH)
Sandra Ataíde Lobo (CHAM – Centro de Humanidades, NOVA-FCSH) Sónia Ferreira (#ECOS Exílios, CRIA - Centro em Rede de Investigação em Antropologia)