Um dos maiores êxitos nacionais do intérprete madeirense Max (Maximiliano de Sousa, 1918-1980) foi a canção "Porto Santo" (1953). Relembra-se o contexto publicitário que esteve na origem, tanto do arranjo - um fado bolero - como da letra. Enquanto na última se faz uma declaração de amor à pequena ilha perante o encantamento que envolve o forasteiro, uma visão oposta pode ser extraída dessas mesmas palavras cantadas o desespero no dia-a-dia da população porto-santense. Nesta operação assenta o exercício empírico que se leva a efeito. O sucesso comercial da canção teve repercussões distintas, que se foram diferenciando no tempo e no espaço. No plano interno, veio a tornar-se um fator identitário. Ao mesmo tempo que, para fora, proporcionou um recurso de marketing para promover um turismo de sol e praia. A relação entre sedução vivida por uns e a aflição sofrida por outros, cristalizava-se no estado de permanente estresse hídrico que estruturou a vida insular até 1980, quando a potabilização de água do mar passa a ser uma realidade. As discrepâncias entre uma imagem cantada e o quotidiano dos porto-santenses marcado pelos desencantes que a abordagem proposta permite enumerar, suscita várias questões merecedoras de debate o papel de canções-ícones na constituição de fenómenos identitários (territoriais, sociais, políticos, étnicos) a função desempenhada no desenvolvimento local, a relação tida ou mantida com o fator tradição, as interseções com culturas sónicas concorrentes. Revisitando propostas teóricas visando uma "sociedade do espetáculo" (G. Debord} e o debate que se lhe tem sucedido, ensaia-se a sua aplicabilidade ao material tratado.
Sobre o autor:
Professor catedrático jubilado do lscte e investigador no CRIA-lscte. Lecionou nas universidades de La Laguna, Tenerife (1992) e Complutense de Madrid (2010) Professor visitante nas universidades de Leipzig (1996-97). de Marburg (2000) e na Federal de Pernambuco, U FPE, Recife, Brasil (2010) Pesquisas de terreno em Portugal continental, ilhas atlânticas (Madeira,
Porto Santo}, Alemanha, Brasi I e França, com projetos desenvolvidos e publicações nos seguintes domínios materialidades, técnica, culturas populares, história das antropologias marginais,museus e coleções, culturas do laicismo.