Abstract
Um dos principais problemas que as sociedades contemporâneas globalizadas e climaticamente alteradas enfrentam é o aumento da pressão nos territórios, especialmente nas zonas rurais. São exemplos dessa pressão os desastres naturais induzidos pelas alterações climáticas e conflitos políticos que levam à migração de indivíduos e comunidades, assim como as políticas para a construção de infra-estruturas energéticas renováveis de larga escala, como parques eólicos e solares. De fato, um crescente corpo de pesquisa das ciências sociais tem-se focado em compreender por que é que, apesar de as pessoas tenderem a concordar com a geração de energias renováveis de uma maneira geral, é frequente encontrar resistência local à construção de infra-estruturas de energias renováveis. Esta pesquisa tem tentado compreender a oposição local de forma a ultrapassá-la. Contudo, abordagens mais recentes e críticas começaram a apontar que (1) o aumento da oposição local pode dever-se às transições energéticas renováveis poderem implicar muitas das mesmas injustiças sociais e ambientais que o status quo não-renovável; e que (2) o aumento da comunicação e disseminação de discursos do populismo de extrema-direita pode também estar a fomentar a negação das alterações climáticas e resistência associada às transições energéticas renováveis. No entanto, estas duas linhas de investigação não têm sido articuladas de forma a explorar se e como a organização comunicativa e sócio espacial das chamadas transições energéticas renováveis, até agora sobretudo materializadas na construção imposta e não-participada de infra-estruturas de larga escala, pode também contribuir para a adesão das comunidades locais amolduras populistas de extrema-direita tal como comunicadas pelos meios de comunicação social. Estas molduras, de que são exemplo discursos de anti elitismo, nacionalismo e nativismo, podem, por seu turno, fomentar a resistência local não só em relação às transições energéticas, mas também à inclusão e diversidade sociais nas zonas rurais. De fato, os resultados das eleições presidenciais portuguesas de 2021 mostraram que as áreas rurais foram das que revelaram maior apoio ao Chega, partido populista de extrema-direita português. Isto sugere a relevância atual de explorar aquilo que será o principal objetivo deste projeto: analisar como é que os meios de comunicação social portugueses estão a comunicar a transição energética e a sua relação com as comunidades e paisagens rurais e com discursos populistas de direita, como relativos a identidades e projetos nacionais; e analisar como isso está a ser apropriado e negociado pelas comunidades rurais, no contexto da sua experiência vivida das transições energéticas renováveis e se contribui para a resistência local a essas transições bem como à inclusão e diversidade sociais nos meios rurais. Para isso, este projeto integrará contributos dos estudos da comunicação social e sociocultural e da antropologia e psicologia social e cultural sobre populismo, comunidades e paisagens rurais, justiça energética e alterações climáticas. Dois estudos serão conduzidos – primeiro, uma análise dos media (jornais nacionais, e jornais regionais e locais, estes últimos com enfoque para os dois estudos de caso descritos abaixo), para examinar como os discursos e comunicação dos media representam as energias renováveis em Portugal e se e como isso está relacionado com discursos sobre questões sócio-políticas associadas ao partido populista de extrema-direita Chega e com os seus principais argumentos verticais e horizontais – ser contra as elites e dar o poder às pessoas e à nação, e discriminar certos grupos étnico-raciais; e segundo, um estudo etnográfico, incluindo entrevistas narrativas e grupos de discussão com membros de comunidades e outros atores locais em zonas rurais afetadas pela construção de infra-estruturas energéticas renováveis de larga escala. Este segundo estudo será conduzido em dois estudos de caso: parque eólico na Graciosa (Açores), uma ilha localizada no primeiro governo regional português a eleger uma coligação com o Chega em 2020; e comunidades em Castelo de Vide onde parques solares existem e estão previstos, nomeadamente o plano para o maior parque solar em Portugal, e localizados num dos distritos portugueses (Portalegre) onde houve mais votos para o candidato presidencial do Chega em 2021. A equipa do projeto inclui especialistas nas dimensões sócio-culturais, psicológicas e espaciais das transições energéticas renováveis e do populismo de extrema-direita. Os principais resultados do projeto serão disseminados às comunidades locais e ao público em geral, contribuindo o projeto assim para promover sociedades ecológica e socialmente mais justas.
Equipa
Luís Silva