Abstract
Em 2024 assinalam-se os 50 anos da Revolução portuguesa de 1974/75 e do fim de treze anos de guerra colonial. Embora o fim da ditadura e do colonialismo tenham uma evidente interdependência histórica, ao longo de quase meio século, Portugal tem evitado discutir o seu passado colonial, acabando por reconfigurar e reproduzir a própria épica do império. Como resultado, um conjunto de literatura tem assinalado a não incorporação de muitas pessoas negras como verdadeiras cidadãs e cidadãos em Portugal, assim como a persistência de várias formas de racismo e exclusão social. Apesar disto, as segundas e terceiras gerações de afrodescendentes encontraram sempre novas estratégias para desafiar a representação de Portugal como um país cosmopolita, pacificado com o seu passado colonial. A minha hipótese é a de que a música tem sido um dos mais importantes instrumentos para a afirmação cultural e política dos afrodescendentes, sendo igualmente utilizada como arma de combate à reprodução das desigualdades sociais e étnico-raciais. Seguindo esta abordagem, o objetivo deste projeto é estudar os atores, os objetos artísticos e os discursos do que podemos classificar como “música afro-portuguesa contemporânea", definindo-a como o conjunto de expressões musicais produzidas principalmente por jovens negros que misturam e fundem um conjunto de géneros musicais tradicionais africanos com sons urbanos globalizados. O projeto tem as seguintes questões orientadoras: De que forma, através da música, as segundas e terceiras gerações de afrodescendentes têm mudado a autorrepresentação de Portugal, revisitando o seu passado, disputando o seu presente, e redefinindo imaginários sobre seu o futuro? Em que medida a afirmação das suas vozes influencia a produção de lugares, as políticas públicas e a ação coletiva? Estaremos a assistir a um processo de afirmação cultural com impactos políticos significativos no Portugal pós-colonial? Com base numa abordagem etnográfica, este estudo relacionará os conceitos de cultura e política através do mapeamento dos sons, palavras, imagens e das políticas que os portugueses negros têm desenvolvido para questionar o lugar que os corpos racializados e as suas vozes ocupam na sociedade e cultura portuguesas. Em primeiro lugar, farei uma etnografia multisituada de um conjunto de comunidades de prática envolvidas na produção e disseminação destes objetos artísticos. Para além disso, entrevistarei um conjunto de protagonistas, incluindo músicos, produtores, curadores, jornalistas, cineastas e ativistas. Finalmente, farei uma análise de conteúdo documental das narrativas que estes atores produzem nas letras de músicas, no conteúdo visual que as enquadra e em entrevistas dadas a meios de comunicação tradicionais e independentes. Em termos de produção e divulgação, esta pesquisa resultará num amplo conjunto de publicações científicas, mas também diferentes formas de comunicação dirigidas a um público não académico. Neste sentido, este projeto permitirá não só desenvolver um novo conjunto de ferramentas metodológicas, mas também contribuir para os debates públicos sobre racismo, herança colonial, cultura e política.