Abstract
Os cuidados prestados por pessoas diferentes e em relações diferentes (familiares, profissionais, formais, informais) são valorizados de formas distintas (amor, afeto, dever, serviço, trabalho, entre outras). No entanto, constituem-se como um conjunto interligado (um sistema de cuidados), com consequências comuns nas formas de reconhecimento e (des)valorização dos cuidados, sendo a divisão sexual do trabalho um aspeto transversal dominante. Este projeto olha para diferentes configurações de cuidados no contexto português, centrando-se nos cuidados prestados em contexto domiciliar a pessoas em situação de dependência e com deficiência, e a pessoas mais velhas.
O objetivo desta investigação é entender as convergências e as heterogeneidades na produção de valor e significado em diferentes relações de cuidado. Por um lado, analisam-se as perceções, valores, práticas e atividades associadas ao cuidado, junto de quem cuida de forma remunerada e não remunerada e, também, de quem recebe os cuidados. Por outro, observa-se como o cuidado se define, valoriza e regulamenta político-juridicamente e analisa-se o tipo de discursos dominantes em torno do cuidado na esfera pública e política, destacando dois acontecimentos recentes: 1) a entrada na agenda política e pública da questão dos cuidados informais e 2) o contexto pandémico da covid-19.
Procura-se perceber como a realização de uma análise integrada que olha para diferentes relações e formatos de cuidados nos permite questionar as fronteiras entre cuidados remunerados e não remunerados, o formal e o informal, o económico e o social, o trabalho produtivo e reprodutivo, público e privado.
Coloca-se o domicílio no centro da análise não só porque é o espaço em que se realiza a maioria dos cuidados até hoje, mas também devido às tendências políticas e sociais contemporâneas que continuam a reafirmar o domicílio como o lugar dos cuidados. A isto soma-se a crescente mercantilização dos cuidados, que coloca desafios não só em termos de género, mas também em termos étnico-raciais e de classe.
A “crise de cuidados” que afeta hoje Portugal e outros países faz parte de uma crise mais profunda que se relaciona com a forma como as sociedades têm invisibilizado e desvalorizado os cuidados e a dependência. Ao circunscrever a necessidade de cuidados a determinados momentos do ciclo vital - na infância, na velhice, na doença - oculta-se o seu papel fundamental na sustentabilidade da vida e na reprodução social. No contexto europeu, a escassez de oferta de cuidados em relação às crescentes necessidades tem colocado cada vez mais pressão sobre os sistemas sociais e de saúde. O envelhecimento demográfico, as transformações nas dinâmicas familiares e as mudanças nas últimas décadas quanto à participação feminina no mercado de trabalho, tornam necessária uma reflexão sobre a organização social do cuidado em contextos de mudança.
Espera-se que este trabalho possa contribuir para uma reflexão teórica e conceptual sobre o cuidado e o seu papel na sociedade, sobre como a sociedade quer reconhecer, organizar e distribuir os cuidados, e que possa servir para pensar o futuro das políticas públicas de cuidado.
Equipa
Antónia Pedroso de Lima