Abstract
Este projeto promove uma nova compreensão do status dos remanescentes humanos (RH), seu papel no avanço da ciência e sua importância como agentes de práticas de investigação e práticas de política e culturas. O projeto aborda o “status” dos RH, alargando o seu debate às coleções osteológicas humanas (COH), simultaneamente como património cultural e biobancos. Por um lado, as RH são depositados, e estão sob guarda de museus, à semelhança de outros bens materiais, e governados numa lógica de património cultural; por outro lado, corporificam repositórios de informação biológica, e servem como amostras biológicas de investigação humana, com informação genómica vital associada, e como peças anatómicas, cuja gestão provém de outro legado.
Esta dualidade de RH & COH obscurece o status conferido aos remanescentes humanos: Património Cultural ou amostras biológicas? Ou ambos? A conceptualização dos RH & COH como Património Cultural e/ou BioBanco é a proposta de leitura/investigação deste projeto, sem definições pré-determinadas. Os RH são contextualizados no âmbito de estudos do Património Cultural e fortemente evocados como tal. A referência ao conceito de biobancos aplicado às COH é uma nova (sugerida) visão de seu status, alinhada com os avanços tecnológicos da ciência e capitalização de RH (como espécimes) em investigações de natureza médica, evolução e ancestralidade humana.
Estudos com base em COH têm crescido exponencialmente, promovendo avanços metodológicos, teóricos e conceituais, favorecendo abordagens socio e biológica e bioculturais. Remanescentes humanos exumados em escavações arqueológicas, cemitérios modernos, comunidades indígenas e outros contextos atraem interesse académico e do público em geral, endossam debates e orientam controvérsias associadas a tensões históricas e culturais e dilemas legais e éticos: todos relacionados ao uso/acesso de RH na investigação, ensino, musealização, restituição e repatriação, pressionando os responsáveis associados à curadoria dos mesmos. Este crescente interesse demonstrou ainda a ausência de legislação específica associada a RH exumados de escavações arqueológicas e cemitérios modernos. A estas questões acrescem dilemas éticos afetos ao uso de RH e ausência de consentimento.
A crescente exumação de RH em escavações arqueológicas e contextos urbanos, juntamente com a necessidade de organizar cemitérios superlotados, exercem pressão sobre os responsáveis pela curadoria de RH, e imploram por legislação específica de RH. No futuro, a lotação de cemitérios devido à pandemia de COVID tornar-se-á uma questão adicional: à medida que muitas sepulturas/cemitérios serão reutilizad@s, muitos remanescentes com familiares vivos serão incluídos nesta discussão.
Consequentemente, a definição do “status” de RH é urgente. Este projeto explora RH e COH como Património Cultural e Biobancos com uma abordagem comparativa pan-europeia, destacando as principais questões éticas, legais e culturais associadas às COH e partes interessadas, incluindo governos, académicos e comunidades associadas. Este projeto visa aprofundar as relações ciência-sociedade no que diz respeito aos RH, incorporando a discussão sobre as fragilidades de legados incómodos do passado, equilibrando os conceitos de “dignidade/cuidado/memória” com o avanço da ciência, reforçando a crescente preocupação com as questões éticas afetas aos RH. O projeto parte do pressuposto de que integrar remanescentes humanos em coleções, para pesquisa e ensino, sanciona uma “vida após a morte”. Os mortos não são esquecidos, continuam a fazer parte do legado e da memória da humanidade. Portanto, respeitar e tratar os remanescentes com dignidade é respeitar-se a si mesmo. Costumo divagar sobre a possibilidade de todos nós, se não formos cremados, compartilharmos esse status de “vida após a morte”.